segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Correspondência de Maria José por Edison

Era uma tarde serena de Junho em Lisboa. Esta cidade, assim como qualquer outra, possui
peculiaridades em cada uma das suas ruas, peculiaridades que possibilitam aos seus intervenientes
vivenciar um momento único em suas vidas e que, muito provavelmente, não poderiam vivenciar se,
no mesmo momento, estivessem na rua do lado.
Maria José teve a sua peculiaridade quando optou por ficar em casa em vez de ir às
compras com a mãe e a irmã. Nessa tarde, como uma outra qualquer, Maria José encontrava-se à
janela, desfrutando de uma agradável brisa que se fazia sentir. Enquanto a brisa afagava-lhe a sua
face e secava-lhe lentamente as pequenas lágrimas que lhe rolavam pela cara, Maria avistou António.
Esta visão, particularmente inesperada numa tarde de Sábado, roubou de imediato um suspiro de
Maria.
À semelhança de uma leoa perseguindo a sua presa, Maria mal pestanejava, seguia António
com o seu olhar sem o perder de vista por um segundo sequer. Só amaldiçoou o Senhor Zé dos
Balões, pois este, com a enorme quantidade de balões que transportava, fez com que Maria
perdesse António por breves instantes quando este passava mesmo em frente ao prédio desta.
António seguia o seu trajecto habitual, surgiu na esquina do barbeiro, desceu a rua, e
desapareceu no lado oposto. Instantes depois deste desaparecer da rua de Maria, tocaram à
campainha. Maria, estando sozinha em casa, desceu do seu estrado e deslocou-se à porta.
- Quem é? – Perguntou.
- Dona Antonieta! - Proferiram do outro lado da porta. - A sua vizinha de baixo. –
Acrescentaram.
Era escusado esta segunda parte pensou Maria. Ela sabia perfeitamente quem era a Dona
Antonieta, era a sua chata vizinha de baixo. Maria, devido ao seu reumatismo que a cada dia que
passava, deixava de se cingir às pernas, abriu a porta o mais rapidamente que pode, mesmo que isso
significa-se um esforço suplementar.
- Encontrei agora mesmo esta carta para si à porta do prédio. – Disse a Dona Antonieta.
- Obrigada! – Disse Maria com um misto de surpresa e indignação ao mesmo tempo que
Dona Antonieta afastava-se.
Depois de fechar a porta, Maria deslocou-se para o seu mundo, a janela, onde subiu para o
seu pequeno trono que era o seu estrado. Após subir, pôs-se a contemplar a carta. Esta não era uma
carta normal, não possuía endereço do destinatário nem do remetente, lia-se apenas as seguintes
palavras rabiscadas: 

“Maria José
A rapariga da janela branca”

Maria abriu a carta com movimentos lentos e graciosos, embora parecesse que eram
propositados por ser a sua primeira carta, a verdade é que o reumatismo apenas lhe permitia este
tipo de movimentos. A carta não era muito longa, assim que Maria começou a lê-la, esbugalhou os
olhos, pôs-lhe de parte e virou-se para a sua caixa de coisas que guardava, o seu cofre de coisas
boas por assim dizer. Remexeu e verificou que a carta que outrora tinha escrito para o serralheiro
tinha desaparecido.
Agora, de respiração ofegante, pegou novamente na carta e continuou a sua leitura.
 
Lisboa, 4 de Junho de 2011

Maria José,

Sei que é, no mínimo, estranho o facto me encontrar a escrever
esta carta. Mas a verdade é que, alguém que conhecemos em comum
encontrou a carta que a mim tinha sido destinada, embora esta nunca
fosse designada a chegar às minhas mãos. Mas a verdade é que chegou, e
venho por este meio responder-lhe.
Sobre a minha amiga que tanto fala, ela não mais é do que uma
grande amiga de infância com o qual nunca perdi contacto, é a ela a quem
recorro para desabafar e tudo mais. Ela é um ombro amigo e um porto
seguro, infelizmente, nunca obtive dela qualquer outra coisa nela senão
isso, amizade.
Quanto ao incidente do gato e do cão de que me falou, lembro-me
perfeitamente desse dia, e digo mais, o sorriso que se sucedeu a seguir
entre nós não foi por acaso, sempre me senti intrigado pela menina da
janela, infelizmente, nunca surgiu oportunidade para lhe dirigir a palavra.
Eu sou mesmo assim, inseguro, e nunca tive muita coragem para
dirigir-me seja para quem for, seja para fazer amizade, pedir informação,
ou para outra coisa qualquer. Creio que é como disse, “a gente é como é
e não como tinha vontade de ser”.
Em parte foi isso que me impediu de tentar falar consigo, e agora
é um pouco tarde. Tarde porque, no Domingo passado, quando me viu
com o fato azul, estava eu a ir para um almoço com o Senhor Quirino,
ele é um antigo serralheiro com um negócio bem conceituado e procura
gente nova para o ramo. Sendo eu apenas um aprendiz de serralheiro de
vinte e um anos, acabei por conseguir o trabalho devido à minha dedicação.
E é por essa razão que digo que é tarde para lhe decidir falar, terei
de me mudar para o norte do país, Braga, eventualmente Espanha até.
Digo ainda que não me importava de lhe conhecer apesar da
descrição pouco alegre que faz de si própria, pois, em tempos, tive um
tio que era excelente pessoa mas infelizmente sofreu uma trombose
quando ainda jovem, o que é raro. Apesar da maioria da família passar a
considera-lo um fardo, e não quererem passar tempo com ele, eu não me
importava de passar horas com ele a conversar e a alegra-lo. Ele não se
cansava de ler e cada conversa que tinha com ele era uma aventura. Por
isso, como pode ver, avalio as pessoas pelo que realmente são e não pelo
que aparentam.
Abaixo, indico o meu endereço caso pretenda escrever. Responder-
lhe-ia com muito agrado.

--
António Querubim

António Querubim
Avenida 31 de Janeiro, 310, 3ºEsq
4710-250, Braga
Portugal

P.S.- Envio uma foto para que nunca se esqueça.










 
Calmamente, Maria José olhou para a fotografia, colocou-o de volta na carta, fechou-a, e
meteu-a na sua caixa de coisas boas.
O tempo passou, primeiro, dias, depois semanas, meses e mesmo anos. António, nunca
recebeu a resposta de Maria José.

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